Reflexões sobre a questão da validade das ordenações na Igreja Anglicana
Por P. H. I. Ramos.
O questionamento sobre a validade das ordenações anglicanas já se tornou clichê entre os apologetas papistas. É evidente que, para qualquer cristão apegado à Tradição eclesiástica, a validade das ordenações é crucial, afinal a validade da Eucaristia depende da validade do sacramento da Ordem. Isso deveria ser particularmente vital para aqueles que professam a Presença Real de Jesus no Sacramento do Altar. Se um indivíduo não recebeu devidamente o sacramento da Ordem, ele não pode agir in persona Christ e, portanto, Jesus não estará presente na hóstia consagrada.
Não é porque um indivíduo está usando estola que ele automaticamente é um ministro válido. De igual forma, nem todas as orações do mundo podem tornar uma ordenação válida fora do episcopado histórico. Isso nunca deveria ter sido questionado, mas os teólogos do século XVI ao salientarem o sacerdócio comum dos fiéis acabaram por rejeitar que há outro tipo de sacerdócio na Igreja Católica, o sacerdócio ministerial, acabaram por “jogar o bebê fora junto com a água”.
No século XVI, inicialmente Lutero não questionava o episcopado histórico, afinal, ele esperava que os bispos aceitariam a sua proposta reformadora. No entanto, como o tempo começou a passar e não surgiam bispo luteranos na Alemanha, o reformador decidiu fazer uma “gambiarra”. Ele passou a afirmar que a validade da Eucaristia não está na ordenação válida do sacerdote, mas na presença da congregação reunida. Uma nova concepção de igreja estava sendo proposta. Disso surgiram diversos tipos de estruturas nas comunidades protestantes, desde formas de organização anarquistas nas quais todos podem pregar e oficiar cultos, até estruturas como a Nova Reforma Apostólica, que afirmam a existência de “apóstolos” e outros cargos duvidosos na contemporaneidade.
Quando os papistas criticam a rejeição dos protestantes ao episcopado histórico eles não estão errados. Afinal, a Igreja sempre foi episcopal, se a estrutura eclesiástica tivesse sido diferente desde seus primórdios, os padres da Igreja rapidamente teriam observado os novos ventos de doutrina. O problema está que os romanistas rejeitam a continuidade do episcopado histórico entre os anglicanos, afirmando que as sagrações episcopais são inválidas, logo, não haveriam sacramentos válidos, com exceção do batismo.
Primeiramente devemos nos perguntar: o que torna um sacramento válido? A Tradição afirma que para que um sacramento seja válido, isto é, autenticamente verdadeiro meio de Graça, ele não pode ter um defeito de matéria, forma e intenção. Por matéria compreende-se algo exterior que acompanha a administração de certo sacramento. A forma, por sua vez, são as palavras que dão significado a certa matéria. E por fim, intenção é o ministro realizar o que a Igreja Católica faz.
Observe que esses três aspectos derrubam a validade de sacramentos entre certos protestantes e evangelicais. Por exemplo, no que diz respeito a Eucaristia, não há Presença Real no que é celebrado entre os pentecostais e batistas, visto que a matéria do vinho costuma ser modificada por suco de uva. De igual maneira, as ordenações entre eles são inválidas porque não possuem a intenção da Igreja Católica que é a manutenção do Corpo Místico de Cristo através do sacerdócio ministerial, visto que afirmam que qualquer um pode ser ministro. Nas igrejas luteranas que rejeitam o episcopado histórico a situação também não é favorável para a validade de sacramentos além do batismo, pois a eucaristia e a confirmação demanda uma ordenação válida, e sem episcopado histórico não há validade desses sacramentos. Entre os teólogos liberais “episcopais” que admitem sacerdotisas, a invalidade da matéria é claramente manifesta, pois Jesus era biologicamente um homem, sexo masculino, logo, uma mulher pode usar estola, casula, batina, receber imposição de mãos e até encenar uma eucaristia, mas ela em hipótese alguma terá sido validamente ordenada, não passa de uma leiga que, por soberba, usurpou um ofício que não lhe pertence.
É sabido que Henrique VIII quando separou a Igreja da Inglaterra da comunhão romana não a tornou protestante, apenas ocorreu um cisma com o papado, ela não deixou de ser uma Igreja Católica. Por mais que Henrique VIII tivesse uma moral sexual imprópria, ele não pode receber o rótulo de ‘protestante’. Mesmo após cismar, a Igreja da Inglaterra permaneceu celebrando missas em latim que eram frequentadas pelo monarca e o clero que ainda estava em comunhão com Roma permanecia em seus ofícios normalmente. Mesmo que seu sucessor, Eduardo VI, tenha sido influenciado por protestantes, a ambiguidade de palavras foi claramente manifesta nas ordens litúrgicas do Livro de Oração Comum em suas diversas edições, o que mostra que o anglicanismo não assumiu a doutrina protestante, apesar de conviver com adeptos desta.
Os romanistas, para questionar a validade das ordenações anglicanas, iniciantemente apelaram que não havia tradição dos instrumentos que eram então considerados a verdadeira matéria do sacramento da Ordem, e negavam a validade das ordens do arcebispo Parker do qual derivavam. Contudo, na época de Leão XIII a argumentação mudou, passaram a afirmar que a causa das invalidades das ordens inglesas se encontrava na liturgia utilizada, que supostamente não utilizava a matéria e forma adequadas. A matéria até poderia ser a imposição das mãos, mas a forma seria fazer um verdadeiro sacerdote ou bispo da Igreja Católica. Ora, sabe-se que a omissão da unção das mãos do ordenando só passou a ocorreu na época de Eduardo VI, mas a transmissão do cálice e patena permaneceu, só foi acrescido a entrega de uma Bíblia. O posterior Livro de Oração comum permaneceu apenas com a entrega da Bíblia.
Leão XIII também afirmou que a forma de 1550 “recebe o Espírito Santo” não expressaria o sacramento da Ordem, que se restringiria apenas a consagrar e oferecer o corpo e sangue de Cristo. Contudo, verifica-se que não há menção à função sacerdotal de oferecer o sacrifício da missa em nenhuma forma inquestionável de ordenação católica antes do século IX. A posterior alteração de 1662 'Para o ofício e trabalho de um padre, etc.,' ocorreu para se contrapor aos presbiterianos, que afirmavam não haver diferença entre presbíteros e bispos. A Igreja Anglicana estava rejeitando o presbiterianismo.
Para concluirmos os argumentos papistas, fechamos com o mais estapafúrdio cogitado. Também costuma-se afirmar que as ordens anglicanas são inválidas porque Cranmer e alguns de seus companheiros não acreditavam na fé católica, logo, não teriam sacramentos válidos. Eles estavam negando o princípio de eficácia dos sacramentos ex opere operato tão ferrenhamente defendido pelos escolásticos. Contudo, na Igreja Católica, particularmente entre os romanistas, sempre afirmou-se que as opiniões privadas de um ministro, por mais errôneas que sejam, não podem afetar a validade de qualquer sacramento que ele administre. Enquanto ele agir como representante oficial da Igreja e usar seus formulários, então, por esse mesmo fato, ele pretende o que a Igreja pretende.
Leia um pouco mais em: https://philorthodox.blogspot.com/2009/09/validity-of-anglican-orders.html.
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