A força do Movimento de Oxford
Por P. H. I. Ramos
A Tradição é uma necessidade humana que demanda a consciência temporal que todos nós temos. Quando crianças interrogamos nossos pais e avós para sabermos de onde viemos, e eles testemunham o que sabem sobre o passado. Uma pessoa que não conhece seu passado cai em uma crise de identidade sem precedentes, gerando um total deslocamento da realidade que o cerca.
Nesta
perspectiva, o cristão sente um profundo sentimento de ligação com
os cristãos que o precederam, e deseja estar associado aos antigos
para que saiba o caminho da Jerusalém Celeste para a qual
caminhamos. Por isso a honra devida aos santos, os heróis que contam
o passado da nossa Igreja. Se Jesus falou a verdade no Evangelho, ele
deixou uma Igreja Católica que é seu Povo eleito, um grupo que
seria guiado pelo Espírito Santo a toda verdade. É neste Corpo
Místico que nós nos movemos e somos, sem esta presença eclesial o
cristão não consegue plenamente se realizar. Ora, como posso ser um
membro vivo desse corpo sem receber a vida da graça que me é
transmitida pelos demais órgãos do Corpo? O deslocamento do cristão
contemporâneo de seus antecessores gera todo o tipo de crise de
identidade, tornando-se sujeito ao parâmetros de outras concepções
religiosas, de concepções de ordem pessoal ou então aos ditames da
coletividade. É esse o ponto que os protestantes do século XVI não
conseguiram entender.
O grande ponto dos protestantes nem
sempre era a doutrina, até porque divergiam muito sobre isso, mas
centravam-se em uma mágoa produzida pelos abusos papistas. Assim,
eles acabavam por afirmar uma descontinuidade entre os períodos da
Igreja, de forma que supunham o corpo eclesiástico inteiro estar
morto devido a submissão ao papado. No entanto, sabemos que nenhuma
célula morta consegue matar todo Corpo. Muito pelo contrário, o
organismo tende naturalmente a expulsar organismos inadequados
através do sistema imunológico. O fato do organismo muitas vezes
adoecer não quer dizer que a Cabeça consinta com a doença. Assim,
os graves defeitos da igreja da baixa Idade Media nunca anularam a
assistência e o fluxo da vida do Espírito nos membros da Igreja. Os
protestantes não conseguiam entender isso. Para eles a água tinha
que ser jogada fora junto com o bebê.
O que os protestantes fizeram no século XVI foi adotar uma perspectiva de recriar o passado conforme suas necessidades contemporâneas, tal como uma pessoa que entra em negação pelo passado desagradável de algum familiar seu. Ocorre que, como a Tradição é uma necessidade humana, a polêmica os impedia de enxergar que eles mesmos estavam aderindo a uma 'espécie' de tradição, a tradição protestante de ser anti-tradicional. Em meio a tantas vozes fornecidas pelo livre exame das Escrituras ficava difícil ouvir a voz do Senhor Jesus na sua Igreja, mas ele não abandonou nem mesmo os que adotavam tal hermenêutica de ruptura. Estes mesmos não conseguiram encobrir completamente suas origens católicas, de modo que o gato peralta se escondia atrás da cortina mas deixava o rabo pro lado de fora.
O que despertou a fúria dos opositores de Oxford foi justamente apontar que nem mesmo os protestantes eram tão protestantes, pois contradiziam-se entre si e acabavam por apelar a Tradição. Nestes apelos à Tradição eles divergiram a ponto de indicar a ruptura temporal que fizeram com sua nova hermenêutica. Quando Keble pregou o sermão da Apostasia Nacional, o que indignou os opositores foi o fato dele afirmar que a hermenêutica protestante ia contra si mesma, afinal, os próprios protestantes do século XVI eram contra a investida do Estado na jurisdição eclesiástica, observa-se isso na oposição aos Estados que impunham o catolicismo romano como religião estatal. Keble observou plenamente isso e já não havia mais como esconder o que estava lá o tempo todo: a Igreja Anglicana não nasceu no século XVI, mas existia antes.
Os padres de Oxford, na maior parte do tempo, não faziam tantos apelos aos padres da Antiguidade, mas indicam afirmações plenamente católicas que os padre posteriores à ruptura com Roma afirmavam. Tamanha era a confusão causada pela livre interpretação das Escrituras que os protestantes não percebiam que não havia concordância entre eles em diversos aspectos, a única coisa que os unia era a oposição à Roma. Os primeiros Tratados versava sobre temas católicos mas de forma específica, não apontando de uma forma completa a catolicidade da Igreja Anglicana. Ocorre que com o Tratado 90 se escancarou a realidade dos Tratados anteriores, pois sistematizou o que aqueles autores pensavam.
Oxford juntou as peças do quebra-cabeça e a figura que se formou era a catolicidade Anglicana, foi isso que fez os protestantes odiarem tanto o Tratado 90. Os opositores protestantes de Oxford não gostaram da imagem que se formava após conectar todas as partes do quebra-cabeça da Igreja Anglicana, dividir para conquistar era a tática deles, se ninguém percebesse o que a Igreja Anglicana de fato era ficava mais fácil manter a ruptura conveniente com a Igreja Antiga e Medieval, assim convinha que eles bagunçassem as peças do quebra-cabeça para que ninguém visse a imagem como um todo. Quando o liberalismo teológico se consolida e chega na Inglaterra, os opositores do anglo-catolicismo não mais desejavam misturar as peças do jogo para que ninguém visse a totalidade da Igreja Anglicana, mas optaram por eliminar peças para que ninguém pudesse reconstruir novamente a imagem original. A causa do burburinho em torno de Oxford não foi o apelo à Igreja Antiga e Medieval, mas a indicação que os elementos católicos estavam dispersos até mesmo nos protestantes do século XVI.
Os tratados um até o oitenta e nove causavam apenas certo desconforto nos opositores de Oxford, tal como peças isoladas de um quebra cabeças. Mas a intenção de Oxford era uma visão holística do anglicanismo, uma visão de totalidade do que foi crido por todos e em todas as partes e em todos os tempos. Foi nesse contexto que o Tratado 90 despertou a fúria dos anti-tractarianos, porque no Tratado 90 se condensou tudo o que Oxford havia afirmado até então. Não foi atoa que apos a publicação do Tratado 90 nenhum outro Tratado foi publicado e Newman teve que se retirar da vida pública. Restava apenas uma opção: ver os reformadores à luz do passado e não o contrário.
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