Auxílio homilético – Oração Vespertina do Sábado da Vigésima Segunda semana após a Santíssima Trindade
Por P. H. I. Ramos (vocacionado da Diocese de Natal).
Segunda Lição Mt 25.31.
O Evangelho da Segunda Lição da Oração Vespertina referente ao dia de hoje coincide com o memorial que fazemos nesta data de 2 de novembro. Costumamos chamar este memorial de ‘finados’, mas o Livro de Oração Comum o denomina ‘Memorial de Todas as Almas’. O texto bíblico acima narra o julgamento final. Nenhum anglicano tradicional nega que após a morte vem o juízo particular, no qual a alma do falecido é avaliada por Deus e um lugar de tormento ou bem-aventurança lhe é designado.
De igual forma, os anglicanos tradicionais não negam que exitam almas que por causa dos sacramentos recebidos em vida estão verdadeiramente salvas, contudo, devido certas máculas causadas pela falta de exercícios de piedade nesta vida, não estão aptas a estar diante da Augusta Majestade de Deus – a estes salvos, mas não santos, lhes é reservada uma purificação que lhes é submetida no estado pós-morte a fim de amarem a Deus perfeitamente, pois sem este amor perfeito ninguém entra na bem-aventurança.
Nenhum cristão deveria rezar pela alma de um pagão assumido falecido, afinal, este até a sua hora derradeira rejeitou a graça divina. No entanto, não há motivos razoáveis e bíblicos pelos quais um cristão não deva rezar pela alma de outro cristão falecido. É consequência lógica que para a oração pelos falecidos ser inútil os falecidos deveriam compor uma igreja a parte, assim, não haveria uma única Igreja ou então mediante a desligação do indivíduo desta única Igreja as almas deixariam de ser salvas. Outra possibilidade que vetaria a oração pelos falecidos é um estado de inconsciência ou aniquilação da alma após a morte.
Louvado seja Deus que todas estas possibilidades não fazem parte da fé cristã. Elas não possuem sequer fundamento na Escritura. Sabemos, de acordo com o Evangelho, que Jesus está associado diretamente aos cristãos mediante dos meios da Graça, formando uma só sociedade ou povo, do qual o Pai lhe constituiu Cabeça, e este organismo é uma unidade ao mesmo tempo visível e invisível. Sem a participação neste Corpo, que é animado pelo Espírito Santo ao infundir em nós a Graça via os sacramentos, ninguém pode ser salvo. Uma vez que alguém recebe os sacramentos, o Espírito Santo atua nele, chamando-o e preservando-o na fé, agora e no porvir.
As demais possibilidades também são facilmente derrubadas pelo testemunho bíblico, que afirma que Cristo desceu à ‘mansão dos mortos’ ou ‘hades’ para pregar aos espíritos em prisão a libertação prometida. Ora, se Cristo foi-lhes pregar a Boa Nova, as almas que estão no ‘limbo’ ou ‘seio de Abraão’ não estão inconscientes. Esta descida de Cristo ao inferno é plenamente bíblica e atestada por São Pedro. Até mesmo a ressurreição do Senhor Jesus seria impossível se a morte fosse um estado de inconsciência. Por fim, o texto do livro de Apocalipse coloca por terra a teoria do ‘sono da alma’ ao falar das preces dos santos martirizados que estão debaixo do altar. Se os falecidos estão inconscientes, como podem eles estarem rezando pelo que ocorre no tempo e espaço? Donde lhes vem a ciência do que aqui ocorre se estão inconscientes?
A intercessão pelos falecidos não se trata de necromancia – o que reiteramos como pecado – mas daquilo que professamos no Credo: a comunhão dos santos. A Escritura faça de uma única Igreja, que está unida misticamente ao seu Cabeça que é Cristo. A vida deste Corpo, o Espírito Santo, é algo sobrenatural, e este algo sobrenatural une cada membro e nada neste mundo nem no porvir pode interromper esse fluxo de vida que nos une a Jesus. Portanto, podemos e devemos colocar diante do Senhor o amor pelos seus filhos que deixaram o véu da carne. A oração é um diálogo de amor com Pai. Se não tivermos liberdade de colocar nossos anseios, medos, saudades e dores diante do Senhor, de que adiante orar? Que tipo de amor é esse no qual não se pode abrir o coração para compartilhar dos anseios com seu amado? O próprio Senhor Jesus abria seu coração aos discípulos, e ele se abre a nós novamente através do amor dos irmãos. Deus não é tão ríspido e insensível ao psicológico humano como certas teologias afirmam, não nos esqueçamos que Ele assumiu a carne, o que implica que Jesus é um de nós, ele tem uma alma como a nossa.
É um sinal de habitação do Espírito Santo a oração pelos falecidos. Por quê? Porque quem ama alguém ora por essa pessoa. Quem ama permanece em Deus, e Deus nele. Orar é uma prova de amor, e isso se demonstra tanto aos vivos, quanto aos falecidos. Que mediante o derramamento de nosso coração diante de Deus, possamos transformar nosso luto em oração, nossa saudade em caridade – tanto pelos falecidos como pelos vivos.
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